quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Bardo e o Barbaro

– Este caminho vai ao longe, continua sempre em frente. Mas sugiro meia volta. Assim mesmo, de repente.

A frase cortou a conversa barulhenta do grupo que seguia estrada adiante e os fez estacar, não por medo do que era dito, mas pela inesperada sugestão. Era um dia bonito e calmo naquela região: pássaros murkhala piavam de suas tocas no paredão rochoso, nuvem alguma ousava atravessar o sol, pequenos insetos rastejavam com sofreguidão devido à proximidade de pessoas e uma brisa agradável atravessava aquela região montanhosa.  O grupo maltrapilho – portando equipamento de baixa qualidade e contrastando com a paisagem – não havia avistado uma alma sequer, naquele dia ou no anterior, portanto não era de se espantar, diante de tal calmaria, que pelo menos três dos homens pensaram estar lidando com um fantasma.

A dúvida não durou muito e nem mesmo foi preciso que a líder daquela corja pusesse ordem em seu grupo, pois logo após o frio impacto da pronuncia inesperada veio a quente melodia tirada de um rápido dedilhar em um bandolim. O que fez com que todos se voltassem para o pedregulho – este com pelo menos o dobro do tamanho de um homem pequeno – que lançava sua sombra sobre eles do lado mais próximo da encosta escarpada. O que viram, mesmo não sendo nada sobrenatural ou eminentemente perigoso, surpreendeu a todos. Sentado ao sol, displicentemente em cima da grande pedra, estava um bardo, que observava os recém chegados.

Enquanto os sete integrantes daquele grupo suspeito ainda estavam aturdidos, o estranho lançou-se ao solo com a maestria de um exímio malabarista, limpou a poeira de sua capa marrom claro e fez uma longa reverência enquanto segurava seu instrumento com uma das mãos. Os que estavam mais próximos se afastaram ligeiramente, quando o homem desconhecido se curvou, apresentando a mesma cautela de alguém que vê algo estranho ou particularmente nojento. O menestrel terminou sua deferência e então, sorrindo, voltou-se novamente para o bando.

- Lehnned Aiskari, esse é o meu nome, senhores... – fez uma pequena pausa e olhou de alto a baixo a única mulher do grupo, observando todos os detalhes que pôde – E senhora.

Ninguém esboçou uma reação sequer, nos primeiros instantes. Limitaram-se à, hipnoticamente, observar aquele bardo vestido em roupas leves de viajante, com longos cabelos castanho-escuros, cavanhaque perfeitamente modelado, portador de um irritante sorriso zombeteiro e que parecia ter surgido do nada. A líder foi a primeira a sair de tal estado semi-letárgico, era mais forte em caráter e vontade do que o resto do bando e, além do mais, tinha uma reputação a qual zelar.

– Que faz cá e porque adverte eu e meus homens? – Inquiriu ao bardo, com agressividade, tinha que mostrar a todos que podia lidar com qualquer situação. Sua mão já tocava o punho da espada.

As palavras da chefe logo quebraram o transe dos homens. Dessa vez não se demoraram, posicionaram-se em posição de defesa, se espalhando com cautela; alguns sacaram adagas curtas do interior de velhas jaquetas e outros colocaram a mão sobre o punho de suas espadas. A despeito de toda aquela movimentação hostil, o estranho não se mostrou alarmado. Continuava com os olhos fixos na líder daquele grupo como se outra fêmea não houvesse conhecido.

A mulher – que talvez não passasse de uma garota, afinal – não estava numa vestimenta que enaltecesse seu corpo e muito menos estava limpa, após todos os dias de viagem, no entanto – mesmo com seus cabelos curtos estando um tanto emaranhados e sujos – apresentava uma curiosa beleza selvagem e certamente fora isso que chamara atenção do bardo. O objeto de estudo daquele homem desconhecido estava perto de perder a paciência e sacar sua arma, contudo, assim que pensou em esbravejar ordens para o bando, o bardo voltou a falar.

– A um dia e meio de viagem daqui fica a “vila da montanha”. Os vilões mais antigos preferem chamar de Their, um nome derivado de um dialeto local e há muito esquecido e... – Não conseguiu terminar sua fala.

– Apareceu no meio no nada apenas para dizer suas pesquisas históricas ou o que quer que seja isso? Cuidado ao contar suas histórias, bardo. Posso fazer com que seja você a se tornar uma lenda.

Ela interrompeu a frase do bardo impacientemente, recebendo murmúrios de aprovação de seus colegas. Para alguém atento foi possível ver a raiva no rosto do menestrel, que se manifestou como um leve franzir no cenho e uma pequena convulsão no lado direito do lábio e numa das pálpebras. No entanto ele logo voltou à sua alegria irritante, sem tirar os olhos da mulher, e mudou o rumo de sua fala.

– Boatos que ouvi por lugares onde passei dizem que a vila será alvo de um infame grupo de bandidos, por isso decidi avisar a vocês que...

Foi interrompido novamente. Desta vez não por uma ameaça, mas sim por uma serie de sonoras risadas que a líder daquele grupo havia iniciado, logo sendo acompanhada por seus companheiros. Desta vez o bardo não se irritou e sim aumentou seu sorriso.

– Bardo, obrigado pela atenção, mas realmente acha que precisamos de seu aviso, acha que não sabemos nos cuidar de alguns bandidos? – Disse a mulher, fazendo força para não mais rir.

– Eu iria falar que decidi avisar a vocês que sei que são os meliantes citados e sei em que estado estará o lugar quando saírem dele, minha cara. – sorria triunfante – E, devo acrescentar, pretendo impedi-los, aqui mesmo.

Os risos morreram. Apenas o bardo mantinha-se sorridente. Os bandidos que ainda não haviam desembainhado suas armas o fizeram, enchendo aquele dia jovial com silvos de espadas cantando ao sair das bainhas. Logo o bardo tinha sua garganta sob a ponta de uma espada.
– Que pretende fazer contra nós? Se eu mexer minha mão rasgo sua garganta. Bardos podem ser sábios, mas parece que não são muito espertos – A líder dizia enquanto pressionava de leve a sua arma no pescoço do desconhecido.

– Nunca ouviu falar dos rumores sobre “O Bardo e o Bárbaro”? – Dizia ele ainda sorrindo.

– E quem por essas bandas não ouviu? Mas você está sozinho. Não há bárbaro algum. Pare de blefar e diga logo seu ultimo verso antes de ser atirado pela encosta e para os braços de Sjelkand.

– Bem... Neste caso vou ter que pedir ajuda ao meu camarada. Vik, por que não se apresenta logo a esses camaradas?!

Todos acreditaram que aquela era uma patética tentativa de desviar a atenção, porém essa concepção logo mudou. Poucos segundos após o bardo se pronunciar um poderoso urro bestial – que fez lembrar o grito de morte de um demônio das Kormirk – irrompeu de algum ponto às costas do grupo. Antes que algum deles pudesse sequer reagir, dois já haviam caído perante a lâmina do pesado machado de batalha.

O recém chegado, que mais parecia um gigante em vestes de pele que nada protegiam, continuou com seu ataque. Desta vez os bandidos remanescentes se viraram a tempo de ver aquele novo inimigo girar – como a encarnação da própria fúria – sua arma em mais um do grupo, fazendo com que homem atingido morresse instantaneamente.

Os três capangas restantes até que tentaram lutar, se reagruparam rapidamente, e foram juntos ao ataque, sabendo que em grupo talvez conseguissem derrubar aquela fera musculosa. No entanto, tal tentativa em nada resultou, pois o bárbaro habilmente chutou o tórax de um dos combatentes fazendo com que este fosse projetado e largasse sua espada, a arma desapropriada foi pega em pleno vôo e usada para aparar um segundo golpe. Para completar aquela complexa dança, o machado desceu mais uma vez, cortando a cabeça do terceiro bandido, que nem mesmo conseguiu chegar a uma distância em que sua lâmina pudesse trabalhar.

A líder daquele grupo via a cena por cima de seu ombro sem conseguir se mexer. Aquilo viera tão de repente, tão rápido... Eles estavam tão perto daquele saque... Mais uns ataques, mais uma matança e teriam o suficiente: A última parte do segredo para a pedra de Mheadirr e então... Riqueza. Mas todos os sonhos, todos os planos... Tudo. Tudo estava se perdendo ali, na lâmina do machado de um homem enorme que em uma fúria bestial parecia lutar tão bem quanto um demônio.

– É uma dança linda. Não acha?

Em seus devaneios de preocupação com seu objetivo e seu colega havia se esquecido que o bárbaro não era o único inimigo. Como poderia lembrar? De um lado um homem franzino e falador, do outro um insano que tomara cinco vidas em poucas instantes. Mas agora estava atenta de novo. Morreria, sabia disso, mas antes iria garantir que a lenda passasse a falar apenas do bárbaro. Sem mais bardos.

Ela tornou a olhar para frente ao mesmo tempo em que estocava com sua arma, certa de que haveria uma morte... Mas não houve sangue. O bardo havia sacado uma espada curta enquanto ela não olhava e defendeu o golpe com uma calma petulante, como se em nenhum momento sua vida estivesse em risco. O contra golpe foi rápido. Certeiro. Mortal. A arma de Lehnned perfurou o coração da mulher sem nenhum traço de compaixão. Enquanto perdia sua força vital, Tish lâmina felina, líder do bando “Ameaça Atroz”, viu o ultimo de seus companheiros cair sob a força dos golpes do bárbaro. E então chegou aos braços de Sjelkand.

– Vik, Vik, Vik... – Disse o bardo escondendo novamente sua espada e indo em direção ao companheiro – Que bagunça fizemos aqui, não é?

Um grunhido foi a única resposta.

– Não, não... Não precisaremos limpar isso aqui. Nestas redondezas existem animais carniceiros que adorariam um banquete.

Deu um tapinha nas costas do colega.

- De qualquer forma, vamos embora. Creio que a atendente da taverna Rabo de Porco pode vir a querer me... Recompensar.

Sem mais palavras os amigos se viraram estrada adiante, o caminho que os bandoleiros iriam tomar. O bardo logo voltou ao seu bandolim, começando a dedilhar e então a cantar uma famosa canção de viagem. Grunhidos acompanhavam sua cantoria, no ritmo exato em que cantiga era levada. Lutar era a paixão do bárbaro, mas se havia algo que preferia a isso... Era música.

O bardo e o bárbaro continuaram em frente. Sem se olhar, sem conversar. Tendo entre eles apenas aquela canção...

2 comentários:

  1. Gostei muito do conto!
    Apesar da escrita metódica, e das várias repetições da mesma palavra, ficou bom mesmo!

    Gostei da dupla de justiceiros e do plot da história!

    Continue escrevendo que a tendência é só melhorar!

    Abraços

    Daniel Lunas

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